terça-feira, 17 de novembro de 2015

REVOLUÇÃO, RESISTÊNCIA E BARBÁRIE: reflexões sobre o Seminário Ler faz Crescer



Entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, tomou vida no Teatro Municipal de São Paulo a Semana de Arte Moderna. Seus idealizadores, inspirados pelos movimentos vanguardistas que eclodiam em toda Europa, desafiaram tradições, classismos e conservadorismos da burguesia à época e fizeram das artes suas armas de afronta ao status quo da vida artística brasileira. Foram vaiados, alvo de tomates podres, xingados, repudiados. Hoje, celebramos a grandeza dos seus feitos e tomamos a intensa produção artística e intelectual dos modernistas como representação maior da identidade nacional.
A Semana de Arte Moderna nunca me lembrou tanto de Ipanguaçu. Aliás, do III Seminário Ler faz Crescer. Inspirados na crescente discussão das relações entre educação e direitos humanos (principalmente no campo da literatura e da formação de leitores), nasceu a ideia de pensar "a terceira margem do rio" nas "leituras do diverso" e nas "imagens do outro". Convidados e convidadas ousados, provocantes, sedutores e altamente empáticos e humanos estiveram em solo ipanguaçuense falando para ipanguaçuenses.
A resistência e a barbárie não poderiam ter deixado de estar presentes. Como todo grande evento revolucionário na história de um povo e de uma cultura, o seminário experimentou da ignorância alheia e está sendo amplamente criticado por determinados grupos locais. O que isso significa? Que fizemos, enfim, a nossa Semana de Arte Moderna!
"Esperam que os professores de Ipanguaçu engulam isso?", "Nunca vi tanto viado e sapatão junto no mesmo lugar", "Estamos no inferno", "O que será da educação?" são algumas das máximas que estão rodando a cidade e vêm dos homens e mulheres "de bem " e de "boa índole" do município. Estranha-me profundamente esse puritanismo e essa moralidade toda destas pessoas e grupos (pequenos, registre-se, mas bem chatos), conhecendo suas realidades como conhecemos.
Faço minhas as palavras da querida Leilane Assunção, que falou durante o seminário e tem sido mal interpretada por alguns cristãos que não convivem bem com a ideia de que o cristianismo não é o topo da religiosidade e se "ofendem" quando topam com alguém que vive muito bem sua vida sem a religião e os ritos deles: "melhor seria que na bíblia estivesse escrito: há vários caminhos, várias verdades e várias vidas!".
Há várias razões para pensarmos toda essa onda de bestialidades que estão sendo propagadas por (surpresa!) instituições formativas, como igreja e escola. Porém, suspeito que deva doer muito lá no ínfimo da nossa hipocrisia e acriticidade estar num evento onde quem toma o lugar de portadores da palavra são gays, lésbicas, transexuais, negros e mulheres: aquela ralé, aquele povinho nojento e amostrado, aqueles atrevidos, aquela corjinha satânica da qual você, que propaga esse tipo de discurso, está se remoendo para ser como cada um de nós: corajosos, inteligentes, lindos e humanos!
Mas nada disso mobiliza sentimentos ruins em mim. Nem de revolta. Mas de gozo, regozijo. Sabem quando a gente como algo que sente o prazer pulsando em cada canto do nosso corpo, uma mordiscada na orelha, um afago nos cabelos, uma língua no pescoço, um beijo desejadíssimo e explodindo em prazer? Pois bem: é exatamente assim que cada expressão de incompreensão propagada por aí me chega - como uma experiência de prazer demoníaca! Cheia de tudo que é repudiado e de tudo que faz feliz.
Eu sinto muito por vocês. Mas não é questão dos ipanguaçuenses terem que engolir "isso". É uma questão de nós ipanguaçuenses termos que engolir os viados, as sapatão, os nego e as nega, as mulheres, as trava e todo esse "isso" ocupando os espaços que nos são de direito.
Calma, vocês vão se acostumar com o brilho da diversidade.
Por André Magre.

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